Uma das mais recentes alterações no ordenamento jurídico brasileiro foi a inclusão do § 4º do art. 784 do Código de Processo Civil (CPC) pela Lei n. 14.620, em 13 de julho de 2023. Trata-se de uma importante inovação, que reafirma a relevância que os contratos formalizados em meio digital, ou somente contratos digitais, vêm adquirindo ao longo dos últimos anos. Com a alteração, os contratos firmados eletronicamente terão a força de título executivo. Vejamos:
“Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(…)
§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura”.
A força executiva atribuída a estes contratos pela nova lei significa que eles poderão ter seu cumprimento exigido por meios judiciais via ação de execução, sem a necessidade de se passar por uma ação de conhecimento para referendar o direito da parte, até então necessária para instaurar a fase de execução. Isso fornece muito mais confiabilidade aos instrumentos particulares eletrônicos, permitindo que seu cumprimento judicial seja mais célere.
Além disso, destaca-se a exclusão da exigência de duas testemunhas para que os contratos digitais tenham a qualidade de título executivo, como em regra se exigia pela dicção do artigo 784, III, do CPC, segundo o qual qualquer instrumento particular deve contar com a assinatura de duas testemunhas para poder ser executado diretamente. Assim, antes, caso faltassem as testemunhas no contrato digital, era necessário ingressar com uma ação de conhecimento, para que fosse julgada, primeiro, a existência do direito da parte, para só então iniciar a execução de fato. Agora é possível iniciar a execução imediatamente somente com a assinatura das partes.
A mudança instituída pela Lei n. 14.620/2023 já vinha sendo aplicada no dia a dia de parte dos Tribunais em virtude da decisão do STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920/DF, em 2018. Na ocasião, a Corte definiu que, excepcionalmente, os contratos eletrônicos prescindiriam da assinatura de testemunhas para ter força executiva. Entretanto, essa medida não era suficiente para garantir a segurança jurídica necessária, uma vez que a decisão do STJ não tinha força vinculante, ou seja, não era obrigatória para os Tribunais, funcionando como uma orientação, ainda que relevante. Assim, ainda era aconselhável que os contratos digitais contassem com a assinatura de testemunhas.
Trata-se de uma mudança bem-vinda, tendo em vista a importância crescente que os contratos digitais vêm adquirindo na economia, com a modernização das relações comerciais e a globalização. O fundamento para atribuir força executiva aos contratos firmados digitalmente sem testemunhas foi que a autoridade certificadora da assinatura eletrônica seria capaz de fornecer tanta credibilidade quanto aquela obtida por meio de testemunhas.
Entretanto, vale esclarecer que a assinatura também precisará cumprir alguns requisitos para permitir a execução direta do contrato. Desse modo, é importante fazer uma distinção entre a assinatura eletrônica e a assinatura digitalizada. Ao passo que a assinatura eletrônica tem sua definição na Lei n. 14.063/2020, referindo-se aos “dados em formato eletrônico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrônico e que são utilizados pelo signatário para assinar”, a assinatura digitalizada se limita à digitalização da assinatura do signatário, copiada sobre o contrato digital. Essa prática, embora muito comum, não é capaz de atestar a veracidade da assinatura, de modo que não servirá para atribuir força executiva ao instrumento particular eletrônico. Assim, é necessário que a assinatura eletrônica se encaixe nos requisitos postos pela Lei n. 14.063/2020.
Uma última questão sobre a assinatura eletrônica referida pelo novo dispositivo do CPC é saber se o provedor da assinatura deverá estar credenciado na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Esse aspecto não foi definido pela Lei, de modo que tem ficado a critério da Jurisprudência exigir ou não a necessidade de a assinatura estar vinculada à ICP-Brasil. Nesse sentido, o mais aconselhável é que o provedor de assinatura esteja vinculado à ICP-Brasil, de modo evitar questionamentos sobre a força dos contratos digitais.
Referências
https://www.conjur.com.br/2023-jul-25/ribeiroe-dagostin-inclusao-artigo-784-cpc
https://www.conjur.com.br/2023-jul-21/mathias-monclaro-alteracao-artigo-784-cpc
https://www.migalhas.com.br/depeso/390205/documento-com-assinatura-eletronica