Há aproximadamente um mês foi promulgada a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, que alterou o Sistema Tributário Nacional naquilo que se refere à estrutura da tributação sobre o consumo. Ao longo do período de transição, que ocorrerá, para o contribuinte até 2033, em síntese, a reforma prevê que:
- os tributos federais PIS, COFINS e IOF-Seguro serão extintos e substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e o IPI será extinto e substituído pela criação do Imposto Seletivo (IS), os quais serão gerenciados pela União;
- que o imposto estadual ICMS e o imposto municipal ISSQN, serão extintos e substituídos pela criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre Estados e municípios;
- serão modificadas regras referentes ao IPVA, ao ITCMD, ao IPTU e à COSIP.
Além disso, uma das grandes promessas da reforma tributária aprovada é a não cumulatividade plena, segundo a qual, os impostos pagos ao longo da cadeia geram créditos totalmente recuperáveis e de rápida devolução, de forma que, na prática, a tributação recairia apenas sobre o consumo final da mercadoria ou serviço.
Apesar de não haver modificação no regime de tributação do Simples Nacional, que será mantido, é possível visualizar como as alterações na estrutura como um todo impactam no planejamento tributários das micro e pequenas empresas optantes do regime simplificado, sobretudo em razão das mudanças no sistema de créditos.
No regime atual, as microempresas e empresas de pequeno porte, às quais é proporcionado regime diferenciado e favorecido (artigo 146, III, “d” da Constituição Federal de 1988), podem optar por um programa simplificado de arrecadação de tributos, o Simples Nacional. Este, regulamentado pela Lei Complementar nº 123/06, permite o recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais[1] em uma única guia, o Documento Único de Arrecadação (DAS). Ao final do período de transição da Reforma Tributária, portanto, os tributos recolhidos por meio do DAS seriam a CBS e o IBS, além do IRPJ e a CSLL.
De acordo a EC 132/23, ao final da transição, as empresas optantes do Simples Nacional não poderão se apropriar de créditos dos novos tributos (IBS e CBS), porém, ao adquirente de bens e serviços fornecidos por contribuintes optantes pelo Simples Nacional, é permitida a apropriação de créditos do IBS e da CBS, em montante equivalente ao cobrado por meio do regime único. Isso significa que as vendas realizadas a contribuintes pelo regime unificado geram crédito aos adquirentes, o que colocaria as empresas optantes do Simples Nacional em desvantagem em termos de competitividade.
Isso pode ocorrer porque o valor aproveitado como crédito por quem compra produtos ou serviços de uma empresa inscrita no Simples será significativamente menor do que aqueles adquiridos de empresas “não optantes” pelo regime simplificado, isto é, aquelas que recolhem impostos pelo “lucro presumido” ou pelo “lucro real”.
Por essa razão, o texto aprovado e promulgado no último mês prevê que as empresas do Simples Nacional podem optar pelo recolhimento de IBS e CBS pelo regime geral, situação na qual será permitida a apropriação de créditos tanto pela empresa do Simples Nacional quanto pelos contribuintes adquirentes de seus produtos e serviços. Com isso, as empresas do Simples Nacional poderiam aproveitar a não cumulatividade de imposto prevista na nova regra e receber crédito pelo imposto pago na cadeia.
Destaca-se que a não inclusão do CBS e do IBS no regime unificado de recolhimento ao Simples Nacional não afetará os demais benefícios garantidos às micro e pequenas empresas, mas tão somente a forma de incidência e recolhimento dos tributos excluídos.
Nesse sentido, a fim de manterem-se competitivas, muitas empresas optantes do Simples Nacional poderão adotar um regime híbrido, recolhendo o IBS e a CBS por fora do Simples, pelo regime geral, enquanto os impostos que não estão contidos no novo tributo (IRPJ e CSLL) continuarão sendo recolhidos pela guia simplificada (DAS). Todavia, somente com um estudo prévio e o adequado planejamento tributário, conforme o setor e a atividade, será possível verificar qual será a opção mais vantajosa, tendo em vista que a exclusão do IBS e da CBS do DAS poderão tornar a operabilidade bem mais complexa.
Cumpre observar, considerando o novo sistema de créditos tributários, que essa análise também exige a diferenciação entre as empresas inscritas no Simples Nacional posicionadas: (i) no início da cadeia produtiva (ii) no meio da cadeia produtiva ou que, ao cabo, vendem para outras empresas; e (iii) no final da cadeia e vendem para o consumidor final pessoa física. Isso porque os efeitos do sistema de crédito apresentam-se diferentes a depender dessa posição na cadeia produtiva.
Nesse contexto, muitos especialistas apontam que, apesar de formalmente mantido, o Simples Nacional poderá ser significativamente prejudicado com a implementação da Reforma Tributária, seja pela perda de competitividade das empresas inscritas no regime simplificado, seja porque, exatamente para manter sua competitividade, muitas empresas empresas serão obrigadas a optar pela complexificação de suas operações, o que contraria a base principiológica constitucional do Simples Nacional pautada na “simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei” (artigo 179 da CF) e no “tratamento favorecido” (artigo 170, IX, da CF), segundo a Ordem Econômica Constitucional.
[1] Os impostos unificados no DAS são: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuição Patronal Previdenciária (CPP); Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Referências:
https://www.conjur.com.br/2023-out-03/crisantoe-tarso-possiveis-impactos-reforma-simples/
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm