- Responsabilidade tributária do administrador
Em determinadas situações, o CTN (Código Tributário Nacional), Lei nº 5.172/1966, permite a responsabilização de agentes diferentes da empresa, o que pode incluir, em alguns destes casos, os administradores de pessoas jurídicas. Essa responsabilização está prevista nos arts. 134 e 135, III da referida lei.
1.1. A responsabilidade prevista no artigo 134 do CTN
Base para a responsabilização subsidiária tributária, o artigo 134 do CTN estabelece que:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: (…).
O artigo 134 do CTN tem sido interpretado como responsabilidade subsidiária do administrador – ou seja, somente se a empresa não puder ser responsabilizada é que se volta contra o administrador, naquilo que ele tenha participado. |
Embora a lei fale em solidariedade[1], deve-se apontar que este tipo de responsabilidade não se ajusta à primeira parte da redação do dispositivo em comento: Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Isso pois a condição de impossibilidade de se cobrar uma dívida de seu devedor primário para o direcionamento aos agentes indica, na verdade, uma característica da responsabilidade subsidiária e não da solidária.
Desta maneira, o STJ[2] vem se posicionando no sentido de que houve um erro de redação legislativa na redação do dispositivo e que, portanto, a responsabilidade prevista pelo art. 134 do CTN é, na verdade, subsidiária e não solidária. Assim, o sócio ou administrador da empresa não pode ser cobrado antes da própria empresa.
Também é importante esclarecer outro aspecto do referido dispositivo, pois o legislador não esclarece quais obrigações podem ser cobradas dos administradores. Tratar-se-á de qualquer obrigação ou apenas daquelas que o administrador participou? A opinião da doutrina[3] e do STJ[4] é de que está correta a segunda opção.
Deste modo, para que se configure a responsabilidade tributária do administrador, a obrigação cobrada deve, em sua origem, ter relação com alguma ação ou omissão por parte dele.
1.2. A responsabilidade prevista no artigo 135, III, do CTN
À cota da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 134 do CTN, o artigo 135, mais especificamente no seu inciso III, contém o regramento específico da responsabilidade tributária do administrador, vejamos:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
(…)
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
De início, deve-se afirmar que, como se vê, o art. 135 do CTN impõe a responsabilidade pessoal do administrador, nos casos de sua aplicação, o que poderia levar à compreensão de que, diferentemente do art. 134, a responsabilidade não será meramente subsidiária. Este, entretanto, não vem sendo o posicionamento da doutrina e do STJ, que vem tratando a responsabilidade do art. 135 também como subsidiária.
O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. |
Além disso, são necessárias outras condições a mais para sua aplicação, uma vez que nesse caso será imprescindível também a verificação de atuação com excesso de poder por parte dos administradores. Assim sendo, não bastará o simples inadimplemento da obrigação tributária para estender a responsabilidade ao administrador. Neste sentido, o art. 135 do CTN constitui uma hipótese de responsabilidade subjetiva e não objetiva, nos termos do enunciado da Súmula nº 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. A consequência disso é que essa hipótese de responsabilidade é subjetiva e não objetiva (CAVALCANTI, 2022, p. 236).
Nestes casos, o excesso de poder necessário é similar àquele observado nos atos ultra vires, ocorrendo, portanto, com a extrapolação dos limites impostos ao administrador pela lei e pelo estatuto ou contrato social da sociedade.
1.3. Responsabilização por crimes tributários
Outra forma de responsabilização do administrador de empresas encontra-se na seara penal, em razão do cometimento de crimes tributários. Tais crimes estão, em sua maioria, dispostos na Lei nº 8.137/1990 e se dividem em duas categorias. A primeira, mais grave, relacionada à sonegação, punível com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa, in verbis:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Como se pode observar pela redação do caput do dispositivo, o aspecto central desses delitos é o seu resultado (por isso enquadram-se na categoria penal de crimes de resultado), de modo que a conduta deve, obrigatoriamente, gerar redução ou supressão de tributo para ser enquadrada como crime (SCHOUERI, 2022, p. 930). É por essa razão de enquanto estiver em andamento processo administrativo que discuta a existência de obrigação tributária inadimplida ou não, o processo penal ficará suspenso, até que se constate a supressão ou redução de tributo[5].
Por outro lado, a mesma lei também traz os crimes de conduta (ou formais), os quais, para serem caracterizados, dependem apenas da constatação de conduta delituosa por parte do agente, independentemente do resultado da prática, o que diminui a gravidade de tais crimes, puníveis com detenção de seis meses a dois anos e multa. Vejamos:
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Todavia, é de suma importância destacar que o STJ já consolidou o entendimento de que “com o advento da Lei n.º 10.684/03 o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária.”[6]
2. Responsabilidade Ambiental
Outro ramo do direito que permite atingir o sócio em vista dos danos causados pela sociedade por ele administrada é o direito ambiental. Assim, será possível impor-lhe sanções civis, administrativas e, mesmo, penais.
A responsabilidade por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da demonstração de culpa ou dolo, bastando comprovar o nexo causal entre o dano e seu causador. |
Os danos ambientais estão entre as situações aptas a ensejar a responsabilidade objetiva. Ou seja, não será necessária a comprovação de culpa ou dolo para responsabilizar o causador do dano, mas tão somente o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano observado. Isso se dá em razão em razão da adoção da teoria do risco integral, positivada no § 1° do art. 14 da Lei 6.938/81. Trata-se também da aplicação do princípio do poluidor-pagador, segundo o qual o autor do dano deve recuperar ou indenizar os prejuízos causados por sua conduta ao meio-ambiente (art. 4º, VII da Lei 6.938/81).
Dessa maneira, a incidência da responsabilização dependerá da caracterização de determinado agente como poluidor. O conceito de poluidor é assim definido pelo art. 3º, IV da Lei n. 6.938/81: “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.
A penalidade derivada da responsabilidade ambiental é cobrada daquele que detém melhores condições de adimpli-la, seja a empresa (responsável direta), seja o sócio ou administrador (responsável indireto). |
Como se vê, poderão ser responsabilizadas tanto pessoas naturais, quanto jurídicas. Além disso, será possível responsabilizar não apenas o responsável direto pelo dano causado ao meio ambiente, mas também o indireto. É neste ponto que reside o fundamento para a responsabilização cível-ambiental objetiva do administrador. Não se trata de um caso de responsabilidade subsidiária, em que para a responsabilização do responsável indireto seria necessário o fracasso da responsabilização do responsável direto, mas sim um caso de responsabilidade solidária. Nesse sentido, a dívida geralmente é cobrada daquele que detém melhores condições de adimpli-la, seja a empresa (responsável direta), seja o sócio ou administrador (responsável indireto). Sobre isso, já se manifestou o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1 2. Na hipótese examinada, não há falar em litisconsórcio passivo necessário, e, consequentemente, em nulidade do processo, mas tão-somente em litisconsórcio facultativo, pois os oleiros que exercem atividades na área degradada, embora, em princípio, também possam ser considerados poluidores, não devem figurar, obrigatoriamente, no polo passivo na referida ação. Tal consideração decorre da análise do inciso IV do art. 3º da Lei 6.938/81, que considera poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Assim, a ação civil pública por dano causado ao meio ambiente pode ser proposta contra o responsável direto ou indireto, ou contra ambos, em face da responsabilidade solidária pelo dano ambiental. 4. Nesse sentido, os precedentes desta Corte Superior: REsp 1.060.653/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJE de 20.10.2008; REsp 884.150/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 7.8.2008; REsp 604.725/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 22.8.2005. 5. Recurso especial provido (STJ – REsp: 771619 RR 2005/0128457-7, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 16/12/2008, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: <!– DTPB: 20090211<br> –>DJe 11/02/2009).
Por outro lado, o administrador da empresa também poderá ser responsabilizado pela prática de crimes ambientais, pelo disposto no art. 2º da Lei 9.605/98: “Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.
Pode-se observar, desta maneira, que os administradores e outros profissionais da pessoa jurídica não estão sujeitos apenas ao dever geral de não cometer ilícitos ambientais, mas também devem exercer suas funções de modo a evitar que a empresa ou outros profissionais cometam crimes ambientais. Em se tratando de responsabilidade penal, será sempre subjetiva, devendo ocorrer a demonstração de culpa ou dolo para a responsabilização.
[1] Uma obrigação solidária é obrigação em que, havendo diversos devedores, todos eles serão responsáveis pela dívida integral, de modo que o credor poderá cobrar a dívida de qualquer um deles.
[2] V. EREsp 446.955/SC
[3] CAVALCANTI, Eduardo Muniz M. Direito Tributário. Barueri: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559646203.
[4] V. AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 653686/CE.
[5] O STF já se manifestou nesse sentido, v. HC n. 81.611, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.12.2003, D.J. 13.05.2005.
[6] HC 232.376/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 15/06/2012
REFERÊNCIAS
BARATA, Rodrigo Rentzsch Sarmento. Alcance subjetivo da desconsideração da personalidade jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
CAMPINHO, Sergio. Curso de direito comercial: direito de empresa. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553627611.
CAVALCANTI, Eduardo Muniz M. Direito Tributário. Barueri: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559646203.
DINIZ, Gustavo Saad. Curso de Direito Comercial. Barueri: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559773022.
NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial e de empresa: teoria geral da empresa e direito societário. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620681.
RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo: de acordo com o Código de Processo Civil de 2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.
SCHOUERI, Luís E. Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2022.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620551.